Quebrar o Silêncio alerta sobre possíveis efeitos adversos da criminalização da violação
A associação Quebrar o Silêncio expressa preocupações sobre a proposta legislativa que torna a violação um crime público, enfatizando a importância de respeitar a autonomia das vítimas.

A associação Quebrar o Silêncio, que presta apoio a rapazes vítimas de violência sexual, veio a público expressar a sua preocupação relativamente à proposta legislativa que visa transformar a violação num crime público. O fundador e presidente da associação, Ângelo Fernandes, destacou que esta alteração poderá afastar ainda mais os sobreviventes de situações de violação dos meios de apoio necessários, considerando que tal medida pode ser contraproducente para o bem-estar e segurança das vítimas.
“A criminalização pública da violação pode sinalizar que qualquer indivíduo – seja um profissional de saúde, um familiar ou um conhecido – pode denunciar um caso sem a autorização da vítima”, explicou Fernandes num comunicado. Para ele, é crucial ouvir as vítimas, respeitar o seu tempo e assegurar que elas têm a certeza de que a justiça estará ao seu lado, uma vez que, embora a intenção da medida possa ser positiva, as implicações práticas merecem uma avaliação mais cuidadosa.
A proposta visa focar na punição do agressor, mas isso pode desconsiderar as necessidades de recuperação e o tempo que a vítima requer para lidar com o trauma. O responsável pela associação alertou que “uma justiça que ignora a voz da vítima pode, de facto, transformar-se numa nova forma de violência”.
Quebrar o Silêncio recorda que o sistema judicial em Portugal não tem garantido respostas adequadas e eficazes às vítimas. Um exemplo pertinente é o de uma estudante universitária que foi violada por um colega e cujo agressor recebeu uma pena suspensa, uma jurisprudência que é contestável pela sua falta de eficácia.
A associação propõe que, antes de tornar a violação um crime público, é imperativo que as consequências legais dos crimes de violação resultem em penas de prisão efetivas e não possam ser desvalorizadas. A maioria das vítimas hesita em denunciar devido ao receio, à vergonha ou à falta de confiança nas instituições.
"Transformar a violação num crime público não elimina estes obstáculos e pode, na verdade, intensificá-los", acrescentou.
Além disso, no caso dos homens vítimas de violência sexual, o silêncio tende a prolongar-se, com uma média de 20 anos até que procurem apoio. A preocupação de que um pedido de ajuda possa resultar automaticamente na abertura de um processo-crime poderá desmotivar muitos a dar esse passo.
A deputada do PSD, Eva Brás Pinho, manifestou-se durante um debate sobre propostas legislativas que permitiriam que qualquer cidadão denunciasse um crime de violação. Embora o PSD esteja disposto a acompanhar a evolução legislativa, destacou também que é fundamental garantir o respeito pela vontade da vítima. Se aprovadas, as propostas provocarão mudanças significativas nos códigos Penal e de Processo Penal, assim como no estatuto da vítima.