Liberdade em cena: reclusos de Vila Real encenam 'Sem destino'
Estreia da peça 'Sem destino' no Estabelecimento Prisional de Vila Real oferece aos reclusos uma oportunidade de explorar a liberdade através da arte dramática.

No Estabelecimento Prisional de Vila Real, um grupo de reclusos prepara-se para o lançamento da peça de teatro intitulada 'Sem destino', agendado para esta sexta-feira. Esta performance leva os atores, todos amadores, numa jornada metafórica num comboio repleto de malas, carregadas de recordações e anseios de liberdade.
Artur Monteiro, de 37 anos e a cumprir uma pena por toxicodependência há três anos, destacou que "podem tirar-nos a liberdade, mas o que pensamos e sonhamos permanece intocado". Durante os ensaios, ele sente que pode afastar-se temporariamente da realidade do encarceramento. "Cada ensaio proporciona-nos uma pausa da pressão da vida prisional", sublinhou.
Com a pena prestes a terminar, Artur realça: "Tem sido uma aprendizagem valiosa. A prisão tem um propósito e, com o tempo, refletimos mais sobre as nossas vidas e a nossa família. Acabamos por mudar como pessoas".
'Sem destino' retrata um conjunto de homens à espera de um comboio que nunca chega, explorando conversas fragmentadas e introspecções. A peça desenha uma viagem que, mais do que física, é uma profunda descoberta interior.
Bruno Santos, outro recluso e que também se estreia no palco, acrescentou que a peça “retrata a nossa vida no dia-a-dia, a busca por sonhos enquanto não sabemos onde a liberdade nos levará”. Resumindo a sua esperança, disse desejar "estar com a mulher e os filhos assim que sair".
O projecto, promovido pela Associação Música Esperança Portugal, envolve nove reclusos e é encenado por Fábio Timor, da companhia Urze Teatro. Fábio relembra que o desafio da peça foi abordar o conceito de liberdade, especialmente no contexto do 25 de Abril.
A peça nasceu do projecto 'O meu 25 de Abril: encanto pela liberdade', com uma estreia que será realizada no pátio do Estabelecimento Prisional. Ao longo de mais de dois meses, o encenador e os reclusos colaboraram na construção da narrativa e da encenação.
“Ao observá-los, tentei imaginar o que sentem dentro dessas paredes, e isso trouxe à peça uma dimensão especial. O objetivo não era transformá-los em atores, mas dar-lhes a oportunidade de sentir o que é estar em palco”, declarou Fábio.
Fernando Teixeira, que cumpre pena por tráfico de droga e já está há seis anos detido, fala sobre a vivência nas dinâmicas de grupo propostas: "Estamos a viver uma nova fase, esquecendo que estamos presos, e a arte ajuda-nos a isso”. Ele anseia, como todos os outros, pela liberdade.
Este é o quinto trabalho da Associação Música Esperança Portugal na instituição, cujo impacto se revela importante para a reintegração dos reclusos na sociedade, como comenta Caroline Dominguez, responsável pela associação. “A arte e a cultura são ferramentas essenciais para a inclusão e a manifestação do que temos de mais humano", afirmou.
Aos reclusos são proporcionadas oportunidades de crescimento pessoal e fortalecimento interior, com a colaboração da Orquestra Sinfónica Amasing, que irá compor a música do espectáculo, dirigido por Eliseu Silva, reforçando assim a relevância cultural da iniciativa.