Caurins: A História Escondida da Escravatura Exposta em Lisboa
As conchinhas caurins, usadas para transações escravistas no passado, agora fazem parte da visita 'Testemunhos da Escravatura' no Museu do Dinheiro, em Lisboa, revelando um capítulo doloroso da nossa história.

As caurins, pequenas conchas que serviram como uma das primeiras 'moedas' para a compra de escravos no Brasil e na costa ocidental de África, estão em exibição no Museu do Dinheiro, em Lisboa. Durante a visita guiada 'Testemunhos da Escravatura', o historiador Davide Santos destaca que uma pessoa era "avaliada em cerca de 100 mil caurins" e reflete sobre o árduo trabalho de acumulá-las manualmente nas praias.
Estas conchinhas, acariciadas cuidadosamente por Santos enquanto explica a sua relevância histórica, têm uma longa história, sendo valorizadas em África e na Ásia. Originárias principalmente das Maldivas, os caurins foram fundamentais no comércio de escravos, que começou a ser organizado em 1515.
Entre os séculos XVI e XVIII, as caurins tornaram-se uma 'moeda' popular utilizada pelos portugueses para a compra de pessoas escravizadas. O Museu do Dinheiro, situado na baixa lisboeta, fica não muito longe do Terreiro do Pelourinho Velho, um dos principais locais de venda de escravos durante esse período.
As caurins eram vantajosas por serem portáveis e duráveis, além de serem vistas como objetos de prestígio. Eram frequentemente utilizadas em adornos, como cintos e colares. Além das caurins, a visita também apresenta outros artefactos do comércio de escravos, como zimbos e manilhas.
Santos menciona ainda correspondências do rei Afonso I do Congo, que apelou aos monarcas portugueses para que interrompessem o comércio de escravos, destacando as consequências devastadoras que isso teve no seu reino.
A visita inclui a maior moeda de ouro que foi cunhada em Portugal, a dobra de 24 escudos, representando a riqueza do reino durante o reinado de D. João V.
Segundo Daniela Viela, técnica de museologia, a iniciativa de explorar a história da escravatura no Museu do Dinheiro surgiu em 2017, reconhecendo a importância de abordar a contribuição desta prática para o desenvolvimento económico de Portugal.
"Temos uma obrigação de verdade para com a história e para com as milhões de vidas afetadas pela escravatura", afirma Viela, reforçando a necessidade de reconhecer o papel de Portugal no comércio transatlântico de escravos.
Os números da escravatura são complexos e difíceis de quantificar, mas o Atlas do Comércio Transatlântico de Escravos aponta que mais de 12 milhões de pessoas foram levadas da costa ocidental africana para as Américas. Portugal figura entre os maiores responsáveis por este comércio, tendo escravizado aproximadamente 5,8 milhões de indivíduos, conforme estudos recentes.
O tráfico de escravos teve ainda impacto na Europa, com o início da comercialização a ser documentado em 1444, em Lagos, com a presença do Infante Dom Henrique. No final do século XVI, um em cada cinco habitantes de Lisboa era escravizado.
A última pessoa escravizada em Portugal faleceu na década de 1930, enquanto o Reino Unido, por sua vez, acabou de liquidar uma dívida contraída no século XIX para compensar famílias afetadas pela abolição da escravatura.